15 dezembro 2007

Urgência Pediátrica – relato de uma noite


E cá estamos. Desde a meia-noite. Graças ao dói-dói-trim-trim esperámos uma hora apenas pela consulta, já com triagem pelo meio. A tua mãe e tu estão lá dentro. Não imagino o que estarás a achar a tudo isto. Um cenário dantesco. Aposto. A tua mãe estava chateada por não ter ido eu contigo. E eu, escrevo. Far-te-ão análises? Que raio estará a suceder-te? Que vírus animal será este? Será mesmo vírus?...


Em volta, pais e mães, alguns avós. Uns com olhares mais pesados que outros. Rapazes. Raparigas. Bebés. Todos em busca de cura para as dores. De uma saída das tormentas. Todos em receio por poderem sair com mais outra maleita de oferta. O maldito contágio que ensombra as salas de urgências.


Uma ambulância. É uma menina. Traz pouca roupa. Quase nada. Passa. Todos viram o rosto panoramicamente. Olham-na. É o programa novo da tv que não há. Termina rápido. A menina entra de imediato. Todos se voltam novamente para o que estava a dar antes. Uns e outros. Por ali. Todos. Na sala. A ocupar cadeiras e paredes.


À minha frente um jovem pai asiático. Cabelo escuro. Liso. Tem estado o tempo todo com a filha. Envolvendo-a nos braços. Tentando adormecê-la. Entretendo-a. Descansando-a. Tocou. A voz da enfermeira. O nome da menina. O pai fica. A mãe leva-a. Entram as duas. Desaparecem pela porta automática. E ainda me hão-de explicar porque os pais se devem divorciar nas salas de espera das urgências pediátricas…


A casa-de-banho recebe mais um puto aflito. Vomita. Ouvimo-lo. A mãe entra depois para o wc fechado. Sai logo de imediato. Desabafa qualquer coisa sobre o mau cheiro. A solução virá somente com o primeiro turno da manhã da equipa de limpeza…


Chegam mais.


Avô. Filho. Nora. Neta. Estardalhaço. Birras e gargalhadas. O miúdo brasileiro (já o sei agora) vomita de novo. Regressou também à sala uma miúda marroquina. Estamos há 40 minutos, entretanto, a dar-te soro a ti, filho. Já lá vai um primpéran. Não vomitaste nada entretanto. Da família que há pouco entrou, a miúda faz birra. E repete com mais outra. A mãe vai tirar dois cafés. Um para ela. Termina-o. Dá o copo à filha, que o inclina e bebe o fio do fim com a borra. A lei da gravidade sempre ajuda. Chamam-na à triagem. Entra com a mãe. Desaparecem pela porta automática. O avô desabafa. Às vezes não tenho paciência para a miúda. Sorriem. Pai e filho.


Terminamos o soro. E agora? O sono pesa-te por demais nos olhos. Tenho-te passeado horas a fio, protegidamente. Acaba o tempo. A mãe segura-te. Entram para o gabinete cinco. Eu cá fico. Aguardo.

Enche a sala um puto mimado. De joelhos no chão. Berra. Chora. Recusa-se a ir para casa. Todos o olham. O entretém de agora. Uns acusam. Outros abanam. Outros comentam. Outros nem ligam. Outros sorriem. A mãe espera. Aguarda. Observa. Paciente. Parece habituada. Também exausta. Dialoga ainda. Negoceia. Eu olho o relógio e penso no tempo em que estás lá dentro com a mummy. Não sei que se passa… Entretanto o puto reúne mais força. Berra. Não quero assoar o nariz. Não quero. E eu olho de novo a porta. Automática. Vocês vêm lá? Não vêm… não ainda. Entram na sala quatro polícias. Varre o espaço uma vaga de frio pela porta aberta.


Parece-me ouvir o teu choro. Um aperto no coração. Rezo para que não seja. Peço para irmos embora. Para deitar-te protegido hoje na nossa cama. Hoje pode ser. Connosco. Todo o resto da noite. Ouço de novo esse choro forte. Vem de longe. Parece tanto o teu. Será? O choro estanca-se de repente. Apesar de no resto da sala a azáfama continuar, a mim rodeia-me o silêncio. A dúvida. Será? Eras tu a chorar assim? De modo tão forte e sofrido? É um segundo que se prolonga por dez mil vezes mais tempo. Custa-me agora mais escrever. As pontas dos dedos tremem. Cerro os dentes. Fecho os olhos num reflexo para ouvir melhor e distinguir os sons lá do fundo, para lá da porta automática. Nada. Quando os abro, vens já ao colo da mummy, que traz um papel na mão. Olhas em volta com o sentido curioso e astuto com que te conheço desde o início. Fico mais descansado. Levanto-me e tu vês-me. Percebo-te um ténue sorriso por trás da chucha.


Finalmente.


Vamos embora.

3 comments on "Urgência Pediátrica – relato de uma noite"

gralha on segunda-feira, dezembro 17, 2007 11:05:00 da manhã disse...

:(

Não têm sido nada fáceis estes tempos...

Vou continuar a rezar para que todas estas maleitas passem depressa.

Moika on quinta-feira, dezembro 20, 2007 9:08:00 da manhã disse...

As melhoras e coragem...

:)

sophy on quinta-feira, dezembro 20, 2007 6:17:00 da tarde disse...

Que chatice, acredita que fiquei cansada ...imagino vocês.

As melhoras e um feliz natal.

Bjokas

 

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