10 fevereiro 2008

As crianças não são extra-terrestres


Pois é, filhão,
ouvi já várias vezes, várias pessoas, dizerem como o mundo das crianças é fascinante, porque devem sentir-se como um extra-terrestre aterrando num novo planeta, com tudo de novo para descobrir e aprender.

Discordo.

O mundo das crianças é infinitamente mais amplo e fascinante que o de um extra-terrestre. Porque um extra-terrestre aprende tendo já por referência o seu mundo anterior, balizando as novas descobertas em comparação com as leis que já conhece, do seu mundo de nascença. Uma criança, contudo, vem despojada de tudo, ou quase tudo. Traz consigo apenas algumas lições gravadas nos seus genes, que nós, pais, lhe passámos. Mas tirando isso, é tudo, e mesmo tudo, novo.

Imaginemos nós que nos apagam a memória. A primeira coisa que a partir daqui começamos a pensar é na perda de referências aos nossos familiares, aos locais que conhecemos, às experiências que já vivemos. Mas temos de pensar que para uma criança isso é ainda o mais insignificante. Sobretudo neste primeiro ano.

Ao observar-te a ti, Martim, convenço-me ainda mais dessas fantásticas e absolutamente incríveis horas em que tocas e tentas perceber a textura da madeira da mesa, a textura do ferro de uma grade, de uma trave de madeira rugosa de um banco... Como a laranja que se corta é tão diferente por fora face à parte de dentro. Como o cheiro e textura ácidas são uma coisa tão estranha. Como o pai traz pêlos no peito e a mãe não traz. Como o teu próprio corpo traz consigo pernas, pés, braços, mãos, e afinal tu és quem os controlas. Como aquela coisa (que se chama pega) naquela outra coisa (que se chama porta) serve para meter a mão e abrir. E como dentro daquela coisa grande (armário) existem tantas outras coisas coloridas e com tantas formas diferentes e estranhas (pacotes, embalagens, caixas, ...)

Uau!

Isto não é ser extra-terrestre.
Isto é o começo da Vida.

E nós, pais babados, damo-nos hoje conta, com a consciência de adultos que já temos, de todo um processo que também nós fizemos há alguns anos atrás. E é maravilhoso imaginar como uma criança, nestes primeiros anos de vida, tem tamanhos dias recheados de experiências tão unicamente novas, absolutamente novas, exclusivas, nunca vividas. Dias em que com a ponta dos seus dedos curiosos e tímidos, dos olhos ávidos, da boca que tudo absorve e dos restantes sentidos atentos assim vai por tais pequenas grandes coisas pela primeiríssima vez descobrindo, tocando, cheirando, sentindo e vivendo tudo.

E a partir daqui, a partir dos primeiros meses de total vazio que vão velozmente passando e ficando preenchidos por parte deste Mundo inteiro, podemos dizer que se perde a inocência, o Mundo começa a ganhar forma, alguns rostos uma identidade, e nada, rigorosamente nada, será como dantes.


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